Resistência e Luta: o que marca a vida da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha

Neste dia 25 de julho é celebrada a data, que visa destacar a trajetória dessas mulheres e os desafios que são impostos pela sociedade. Diversas mobilizações serão realizadas em todo o país, por Movimentos de Mulheres Negras.

No dia 25 de julho celebramos o Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha. Essa data marca a importância da resistência e da luta das mulheres afrodescendentes que enfrentam desafios únicos de discriminação racial e de gênero. Para reconhecer as conquistas, mas também para identificar os desafios contínuos que essas mulheres enfrentam, a Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário nos Estados – FENAJUD entrevistou a advogada e candomblecista Camila Garcez, que atua no movimento de mulheres juristas negras, e falou sobre os avanços e como continuam a enfrentar desigualdades profundas no país.

Em uma conversa com a Federação, a Dra. Camila lembra que a data, além de discutir questões de justiça social e racial, é um momento para honrar as histórias de resiliência, de criatividade e de capacidade de liderança, que inspiram gerações.

Foto: reprodução arquivo pessoal/Instagram

Quando perguntada sobre os principais problemas enfrentados, Camila aponta que “Um dos desafios é caminhar na perspectiva contra hegemônica. Porque como mesmo dizia Lélia Gonzalez, no interior do movimento feminista havia um discurso estabelecido em relação às mulheres negras, que elas “eram agressivas e criadoras de caso, que não dava para dialogar com essas mulheres”. Então, a gente ainda tem esse desafio, porque o movimento feminista hegemônico ele não nos contempla, por se arvorar mesmo na desigualdade de gênero. Então, assim, mulheres negras e indígenas seguem com pautas que são diversas ao feminismo hegemônico, que são diversas às mulheres brancas e como isso ainda trafegando muito à margem de todo o sistema. Há uma negação da realidade mesmo das mulheres negras e das mulheres indígenas. Então, o desafio ainda é esse, a gente se colocar no centro da roda.”

Quanto aos espaços de poder, a advogada pontua que “Estamos desbravando muitas coisas, mas ainda assim é pouco para tudo aquilo que a gente fez. Aquilo que a gente conquistou, tudo aquilo que a gente pretende conquistar. É importante, nessa perspectiva, nós falarmos sobre isso, sobre uma invisibilização, sobre o fato de ser a negra única nos espaços. Sobretudo os espaços de poder e de decisão, você olhar para os lados e você não se enxerga, né?! Há um embranquecimento, se você está numa mesa de presidência, há um embranquecimento e a cota: o negro único no espaço. E não é por isso que a gente luta, né!? A gente precisa tratar de gênero e ter esse cuidado que é ligado à raça, à classe, à sexualidade, porque são variáveis determinantes e inseparáveis. A gente não pode pensar sobre gênero silenciando raça. Porque a gente tende a perpetuar aquilo que se Cida Bento designa como pacto narcísico da branquitude. Há um fato que a gente assegura a manutenção de privilégios raciais, em uma sociedade que mantém esses privilégios, na falácia de que nós vivemos ainda sob o manto de uma democracia racial.”, ressalta.

A Dra Camila cita ainda que “Se a gente parar para pensar, sobretudo nas diversas reportagens de televisão, eu estava assistindo a uma reportagem – e começou a falar sobre os cargos ocupados majoritariamente por mulheres negras, e aí a gente vê muito o que traduzir, o que Patrícia Hill Collins denominou de “opressão sofrida pelas mulheres afro-americanas”, e há três dimensões nessa opressão: a primeira é uma exploração do trabalho – essa exploração do trabalho vem a partir da guetização da prestação dos serviços. Também há uma negação de direitos e privilégios – há uma dificuldade de acesso à educação de qualidade, por isso os subempregos. Há uma dimensão da opressão – que é uma dimensão política, porque há imagens de controle para essas mulheres, se a gente parar pra pensar, essas mulheres são as maiores vítimas de feminicídio e as ocupam hoje majoritariamente o sistema carcerário”.

E quanto aos aspectos positivos, Garcez aponta que “muitas coisas estão por vir. Eu visualizo muitas coisas que já vieram também, muitas sementes que foram plantadas e regadas até por pessoas que já fizeram a passagem, deixaram um legado aqui para a gente. Nós temos esses desafios, mas também temos muitas mulheres que vieram antes de nós e fizeram isso aqui acontecer. Se hoje nós temos um campo de produção teórico, por exemplo, que está caminhando na contramão desse silenciamento, é porque outras vieram antes de nós e fizeram isso aqui acontecer. A gente conseguiu escrever, a gente conseguiu ocupar espaços de escrita, isso é muito importante porque nós deixamos de ser infantilizados, aquele que alguém fala por você, nós estamos falando com a nossa própria voz, nós estamos falando em primeira pessoa, eu acho que isso é essencial hoje.”

“Estamos a passos lentos, alcançando muitas coisas, estamos ocupando espaços. A favela não venceu. A favela não venceu porque muitos irmãos, irmãs, estão debaixo da terra. Seja por conta do sistema, da própria prática genocida do Estado, quando coloca pessoas debaixo da terra mesmo, através dos homicídios decorrentes de oposição à intervenção policial, seja por conta de problemas de saúde, seja por conta da política dos que não abrange todo mundo, seja pela violência obstétrica. Mas eu vejo um futuro, eu acho que essa geração nova é uma geração de mudança, porque os nossos filhos, os filhos dessa geração, da minha geração, os filhos da geração passada, são filhos de pessoas que estão querendo um futuro diferente do que os seus pais, os seus avôs, seus bisavôs tiveram. Eu acho que nós estamos tirando todas as amarras. Nós estamos falando em primeira pessoa, e é essa a importância de nós comemorarmos tanto o dia 25 de julho, como o dia nacional de Teresa de Benguela e da mulher negra latino-americana caribenha, mas que a gente comemore todos os dias, cada passo que é dado”, conclui Dra. Camila.

Trabalho, Ensino e Saúde

Os dados verificados pela Fenajud são alarmantes. De acordo com um estudo da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), as mulheres afrodescendentes dessas regiões são as que recebem o salário médio mais baixo em relação pessoas não afro e inclusive em relação a homens afro, independente dos níveis educacionais e das horas trabalhadas. Também são as que aparecem em primeiro lugar nos índices de pobreza em famílias monoparentais comandadas por mulheres afro, o dobro em relação às mulheres não afro no Brasil, Equador e Peru e o triplo no Uruguai.

Em termos de trabalho doméstico remunerado, a maior parte é realizado por mulheres afro em toda a região, representando 63% no caso do Brasil. A este aspecto se agrega a informalidade como característica também majoritária deste perfil.

Quanto aos rendimentos, o IBGE apontou em 2019 que as mulheres negras recebiam em média 44% de ganho, menos da metade de salário comparado a homens brancos, e segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) em 2018, apenas 17,1% das mulheres negras tinham ensino superior completo, comparado com 36,1% das mulheres brancas.

A atenção também precisa ser dada quando o assunto é saúde, pois as mulheres negras representam 60,9% das usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde (IBGE, 2020). Já dados da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) apontam que as mulheres representam a maioria (67%) entre os trabalhadores do SUS.

Luta pelo país

Nesta quinta-feira (25), Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha, marchas acontecem em diversas partes do país, como Bahia, Maranhão, Piauí, Pernambuco, São Paulo e Pará, sob o mote “Por reparação e bem viver”. As manifestações integram o Julho das Pretas, calendário de atividades organizado por todo o mês pela Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), a Rede de Mulheres Negras do Nordeste e a Rede Fulanas – Negras da Amazônia Brasileira.

Onde surgiu

A data foi instituída em 1992, durante o 1º Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-Caribenhas, realizado na República Dominicana. Desde então, tornou-se um símbolo de resistência e de celebração da cultura afrodescendente na América Latina e no Caribe.

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